O que conecta desigualdade de gênero à falta de saneamento básico?
Qual é a causa e qual é a consequência?
O debate em torno da questão da igualdade de gênero foi o mote de evento promovido pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) em São Paulo no dia 8 de março, por ocasião da celebração do Dia Internacional da Mulher.
Não seria errado repetir o mesmo evento para agora o dia 22 de março, dia Mundial da Água, após a CEO da BRK Ambiental, Teresa Vernaglia, apresentar no evento recente estudo realizado pela empresa, que compila dados da ONU, IBGE, MEC e outras fontes para chegar à conclusão de que, sim, a falta de saneamento básico e acesso à água potável pode estar entre as causas e não somente entre as consequências da imensa desigualdade, ou melhor, da falta de equidade entre homens e mulheres no mundo corporativo contemporâneo.
A 33ª Sessão da Assembleia Geral do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2016 tratou exatamente disso, mas o recorte da BRK aproxima mais os dados da realidade brasileira.
Tomando primeiramente o aspecto conceitual da pesquisa, a relação direta entre água e a mulher inclui tanto as necessidades práticas, como o cuidado com a higiene menstrual, quanto aos costumes e os estereótipos entre os gêneros, já que devido ao papel desempenhado pela mulher nas atividades domésticas é fato que as mulheres desempenham trabalhos não remunerados três vezes mais do que os homens os fazem. Um exemplo é que sempre cabe as mulheres a carregar a lata d’água na cabeça para abastecer a família quando a fonte fica distante de uma indefectível torneira.
Ou ainda, é a mulher que, como cuidadoras dos próprios filhos ou os de outrem, são mais afetadas por estarem em contato físico direto com a água contaminada e com dejetos humanos quando a infraestrutura de saneamento é inadequada. O mesmo ocorre na função que elas têm de cuidar dos membros da família que adoecem como resultado da inadequação do acesso à água, ao esgotamento sanitário e à higiene.
O estudo mostra que hoje, beirando a terceira década do século XXI, ainda temos uma imensa quantidade de brasileiras vivendo no século XIX, sem banheiro em casa. Pior que isso, são mais de 15 milhões de brasileiras que ainda não recebem água tratada em suas residências, ou seja, uma a cada sete mulheres brasileiras.
Os efeitos diretos da falta de acesso a condições adequadas de água e esgoto podem ser constatados não somente na saúde (8 milhões de casos de afastamento de mulheres por diarreia ou vômito em 2013, segundo a Pesquisa Nacional da Saúde, dos quais 8 mil casos foram de óbito); mas também nas finanças dessas mulheres (uma mulher residindo em uma moradia sem banheiro tem rendimento 61,3% inferior à de uma mulher morando em habitação com banheiro, segundo a PNAD em 2016).
Também no nível de escolaridade esse impacto é observado. Do total de jovens que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio, 2,42 milhões eram mulheres (56,8% do total) e 1,84 milhão eram homens (43,2%). A mulheres tiveram média 8,9 pontos inferior à dos jovens da população masculina, mas quando o recorte considera as mulheres de classe mais elevada, ou seja com acesso a água e esgoto, o rendimento das mulheres é melhor. Esse indicador cruel acaba afetando a formação profissional e prejudicando todo o futuro dessas jovens.
Já se passaram três anos desde que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o acesso à água e ao saneamento básico como um direito universal, dentro dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os 17 ODS deveriam ser a bússola para as ações governamentais, empresariais e, por que não, individuais, rumo ao desenvolvimento sustentável, já que temos até 2030 para cumprir com as metas estabelecidas nos ODS.
Estudos como este desenvolvido pela BRK não só deixam bastante claros os fundamentos para a urgência da adoção de uma política pública mais objetiva de acesso ao saneamento básico que poderia tirar mais de 630 mil mulheres da linha da pobreza (segundo o próprio estudo aponta), mas também, ao mensurar o problema para mais da metade de população brasileira, mostra as relações econômicas e o impacto social que o País perde ao não enfrentar este problema de uma vez por todas.
Demonstrar a importância econômica e os impactos positivos (para a saúde, a educação e outros) de se ampliar o acesso ao saneamento básico e de que forma isso contribuiria sobremaneira para a redução da desigualdade social nunca foi tão urgente. Não é uma tarefa apenas para governos, mas exige a união de esforços entre a iniciativa privada e o poder público. Exige também a conscientização do indivíduo não só sobre o seu uso eficiente da água, mas também sobre a compreensão clara em torno da interconexão da água e seus impactos em todas as esferas da vida em sociedade, seja sua formação profissional, seja a saúde de suas crianças e negócios em geral.
A universalização do saneamento básico traria um acréscimo médio de R$ 321,03 ao longo de um ano por brasileira, o que significa um ganho de ganho de R$ 12 bilhões ao ano na renda das mulheres brasileiras. É um dinheiro que hoje está se esvaindo pelo ralo.