ONU vem perdendo seu papel como representante das necessidades do planeta.
Por Marcos Bicudo
Há 21 anos, a Rio 92 deflagrava um olhar mais sensível aos efeitos nocivos da atividade econômica ao planeta Terra. O então “buraco na camada de ozônio” debutava em meio a uma sociedade que apenas despertava para o assunto. A internet ainda gestava, o desenvolvimento sustentável era desarticulado e sequer fazia parte da agenda global.
Os anos foram passando, assim como também passaram algumas dezenas de eventos relacionados ao tema. A questão preeminente tratada nesses encontros, as mudanças climáticas, já não tem a mesma força. Perdeu terreno para a erradicação da pobreza e para as necessidades de melhoria e acesso à saúde e educação, sobretudo nos países emergentes.
As lideranças globais em todas as esferas – políticas, da iniciativa privada ou mesmo da academia e da sociedade civil – estão em xeque. A sensação é de que os homens e as mulheres que nos representam continuam absorvidos pela ditadura do egocentrismo, inebriados pelo capitalismo inconsequente e suas imediatas necessidades de curto prazo.
O tempo continua urgindo. Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), formulados para promover grandes mudanças no panorama do planeta e de sua população, completam 13 anos e se aproximam do seu prazo final, em 2015. Há argumentos e fatos que comprovam algum avanço durante este período de 2000 a 2013, como a saída de meio bilhão de pessoas da linha de pobreza de US$ 1,25 por dia, a queda na taxa de mortalidade infantil em 30%, com três milhões de crianças salvas a cada ano e a redução de 25% no número de mortes causadas pela malária. Se considerarmos que com uma pequena fração do que os governos investem em armamentos, por exemplo, já teríamos erradicado a fome e a pobreza mundial há muito tempo.
A falta de interesse e de ambição para mitigar os grandes temas globais reflete a perda de legitimidade do papel da Organização das Nações Unidas (ONU) como representante das necessidades do planeta. A Organização está cada vez mais dissociada dos reais dilemas do desenvolvimento sustentável e da eminência de uma nova abordagem.
O primeiro relato do painel de alto nível de notáveis e responsáveis por estabelecer os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável continua a pontuar a erradicação total da pobreza como principal prioridade, e estabelece, pasme, o ano de 2030 para a entrega de tal objetivo. Nota-se que o senso de urgência realmente não faz parte do cardápio deste seleto grupo de ilustres representantes da sociedade. Inaceitável, a pobreza é consequência de um modelo fracassado que perdura e perdura e perdura.
Por que não há colaboração de fato entre os atores da sociedade para promover avanços mais significativos em relação ao desenvolvimento sustentável? Qual a causa desse desinteresse? Será a ONU o órgão indutor indicado para facilitar tal mudança de paradigma? Como podemos explicar a atual falta de governança global do desenvolvimento sustentável? São questões que nos inquietam e despertam novas reflexões. É preciso pensar e agir diferente, urgentemente.
A mobilização da sociedade deve ser articulada em âmbitos menos complexos e suscetíveis à inércia dos grandes interesses. Devemos reduzir a ênfase nas “grandiosas” agendas globais e dar um foco pragmático e mais localizado. Devemos trabalhar dentro da realidade cotidiana do nosso círculo de influência. Afinal, se considerarmos que 70% da população do planeta estará concentrada em países emergentes e que 75% dessa população estará por sua vez vivendo nos grandes centros urbanos, para que precisamos da ONU e do “establishment” para promover avanços importantes? Um prefeito de um grande centro urbano localizado num país emergente tem muito mais poder hoje para avançar na agenda do desenvolvimento sustentável do que a maioria dos países que formam a representação da ONU por meio de uma diplomacia deslocada no tempo.
Durante a Rio+20, lançamos o Visão Brasil 2050 – uma nova agenda para as empresas. O documento – construído com empresas, ONGs e governos – traz o cenário atual em nove temas da sustentabilidade, o cenário ideal em 2050 e sugestões de caminhos para alcançá-lo. No entanto, apesar de importante, 2050 está muito longe e mais: não chegaremos aos objetivos almejados se não atuarmos hoje e nos próximos sete anos para promover esta transformação. Por esse motivo estamos elaborando agora um plano de ação para identificar quais objetivos devemos estabelecer até 2020 para alavancar a agenda do desenvolvimento sustentável e responder aos imensos desafios postos. Esses objetivos devem ser claros, mensuráveis e verificáveis para que toda a sociedade possa acompanhar de perto esta evolução, participar das decisões – como consumidores inteligentes, por exemplo – e cobrar de todos nós mais compromisso para alcançar o país em que queremos viver.
Já dispomos de tecnologia e conhecimento para responder às principais mazelas da sociedade, mas é preciso novos caminhos e também arranjos para parcerias inovadoras. O Rio de Janeiro viu uma experiência interessante. Nos morros do Chapéu Mangueira e Babilônia, o CEBDS reuniu 12 empresas, prefeitura e governo do Rio, moradores e instituições da sociedade civil para pensar em como promover bons negócios de grande impacto positivo. Os resultados foram muito positivos, apesar dos vários percalços. O reduzido escopo de atuação (pouco mais de mil casas) facilitou, mas se quisermos ampliar a escala, temos que pensar diferente, encontrar novos formatos de parceria e colocar o interesse público em primeiro lugar.
Estes são só alguns exemplos, mas tenho certeza de que há milhares de alternativas disponíveis para promover essa mudança. Para isso é preciso que direcionemos nosso olhar para o novo, para onde está a real possibilidade de transformação, e alteremos o atual rumo, dando escala e rapidez para as mudanças necessárias.
Marcos Bicudo é chairman do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)
Fonte: Valor Econômico 01/11/2013