PARTE I

Dinâmica
Geoespacial

O retrato das cadeias a partir do olhar geoespacial


Dinâmica de Expansão


Ao voltar o olhar para o território brasileiro, qual o retrato em relação à expansão e retração de área de algumas culturas e sistemas produtivos muito importantes na pauta da agropecuária? Qual o recorte espacial adotado?


Foram estabelecidos três conjuntos de culturas agrícolas: a) as mais relevantes para a Agricultura Familiar; b) as mais relevantes para a agricultura Não Familiar, e; c) aquelas relevantes para ambas, denominada Híbrida, e a bovinocultura, de acordo com os seguintes critérios:


Relevantes para Agricultura Familiar (AF): mandioca, fumo, banana, uva. O critério utilizado para a seleção foi o valor de produção. O percentual do valor de produção de cada cultura/produto foi calculado em relação ao valor de produção total gerado pelos produtos temporários e permanentes.


Relevantes para a Agricultura Empresarial (Não-AF): trigo, algodão herbáceo, sorgo, laranja. O critério utilizado para a seleção foi a área colhida. O percentual de área colhida de cada cultura/produto foi calculado em relação à área colhida total utilizada para produção de produtos temporários e permanentes.


Híbridas: soja, milho, cana de açúcar, feijão, arroz, café. Culturas relevantes tanto em termos de valor de produção (para a AF), quanto em área colhida (para Não-AF).

Análise das culturas selecionadas

Diante desse cenário, o que se pretende é compreender como as dinâmicas de expansão e de retração de áreas, aliadas ou não à intensificação da produção ocorreram no território brasileiro entre os anos de 1995 e 2017, e quantificar as áreas que aumentaram e que foram economizadas, por cultura, nas mesorregiões que apresentaram aumento de produtividade no período. O estudo traz um olhar específico para as culturas individuais e para a bovinocultura, ressaltando os efeitos Jevons e/ou Borlaug para as que ocorreram no território. Para auxiliar nas análises geoespaciais, foram gerados gráficos de dispersão e um mapa de cada cultura agrícola e da bovinocultura, em nível mesorregional. Notem que os gráficos mostram quantas mesorregiões se classificam em cada quadrante (ver metodologia completa adotada no Anexo I), e cada ponto representa uma mesorregião.


Visando demonstrar a forma de apresentação dos dados, mostramos a seguir um exemplo ficcional de resultado com as explicações dos significados das simbologias e legendas utilizados. Nos eixos x e y estão a variação de área e de produtividade. Esses gráficos indicam no cabeçalho o nome da cultura analisada e a área colhida média no ano de 1995 (média livre de outliers[1]). A dispersão dos pontos indica o efeito observado. Como sete situações são possíveis, sete cores diferentes foram utilizadas para cada efeito. A legenda do gráfico “classificação mesorregional” indica o número de mesorregiões classificadas em cada situação. A legenda também informa a proporção do aumento de área ocorrido entre 1995 e 2017 delimitado pelo círculo maior, tendo como parâmetro a área média colhida em 1995 (figura 1). Vale ressaltar que os limites dos eixos x e y não representam as observações máximas de cada variável, pois pontos discrepantes foram eliminados com a limpeza de outliers (ver anexo I para melhor detalhamento).


[1] Em estatística, outlier ou valor atípico, é uma observação que apresenta um grande afastamento das demais observações da série, ou que é inconsistente. A existência de outliers implica, tipicamente, em prejuízos à interpretação dos resultados dos testes estatísticos aplicados às amostras.

Tendo em vista que o objetivo aqui é compreender a dinâmica de expansão e de retração de áreas, aliadas ou não à intensificação da produção nas mesorregiões que apresentaram aumento de produtividade, é importante olhar para as mesorregiões de tons de verde e de laranja/marrom, pois estas são as áreas em que ocorreu o aumento de produtividade no período.


Sabendo que nessas mesorregiões ocorreu o aumento de produtividade concomitante ao aumento de área (efeito Jevons) ou o aumento de produtividade atrelado à diminuição de áreas (efeito Borlaug) resta saber quanto foi, no agregado, o aumento ou a diminuição de área. Desta maneira, um box no quadrante 'efeito Borlaug' indica qual a área reduzida e um box no quadrante 'efeito Jevons' indica a área expandida no período, para cada cultura.


Olhando para os mapas, as cores verde, laranja e marrom indicam as mesorregiões em que houve o aumento de produtividade, foco da análise. No intuito de observar o efeito espacial nas principais mesorregiões produtoras, um destaque (em amarelo) foi inserido, destacando as mesorregiões que concentram 80% da produção nacional da cultura analisada. O número entre parênteses na legenda indica o número de mesorregiões que concentram 80% da produção do Brasil.

Resultados

Olhando para o todo, de forma geral, tem-se que entre 1995 e 2017, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE, 13,5 Mha foram incorporados em lavouras e pastagens, o que equivale a uma taxa de 0,6 Mha.ano-1. Então, mesmo com o grande aumento de produtividade observado nas últimas décadas, a incorporação de terras para a produção agrícola ainda ocorre no Brasil, levando a constatação de que os processos de expansão de área e de intensificação produtiva ocorrem de forma simultânea no território.


Em algumas culturas, como a soja, a dinâmica de expansão prevalece em todo o território nacional e para culturas como a mandioca e feijão, os processos de expansão e intensificação de áreas e de produtividade são distribuídos de forma bastante heterogênea espacial e temporalmente. Já a pecuária de corte apresenta um processo diferenciado da dinâmica de expansão/retração e intensificação/extensificação combinando, nas regiões de fronteira, expansão associada à redução de produtividade, aspecto não observado nos outros cultivos analisados.


A observação geral, de que a expansão e intensificação ocorrem de forma simultânea, possibilita a compreensão da dinâmica agregada do processo, mas é pouco instrumental para a análise de processos específicos de alguns cultivos em certos territórios, como a transferência regional dos cultivos. Este detalhamento, apresentado e discutido neste relatório, pode auxiliar a definição de ações ligadas à dinâmica territorial da expansão/intensificação visando a redução da expansão agropecuária sobre terras cobertas com vegetação nativa. A partir das informações apresentadas, sobre o formato de leitura dos dados, a seguir estão compartilhados os mapas com as culturas foco deste estudo: soja e café, classificadas como agricultura híbrida, e o mapa da bovinocultura. Os resultados das demais culturas podem ser encontrados e consultados no Anexo I.

Soja

No caso da soja, o efeito Jevons, que envolve aumento da produtividade com a expansão das áreas, ocorreu sobre a maior parte do país, sobretudo nas áreas de fronteira entre Cerrado e Amazônia, e nas regiões Centro-Sul (veja coloração marrom/laranja do mapa acima). Ressalta-se que a expansão de áreas não é sinônimo de desmatamento, pois nesta análise não consideramos sob que tipo de área a expansão se deu (vegetação nativa ou área já ocupada por agricultura).

Café

No caso do café, o efeito Borlaug (poupa terra) é mais presente. Mas, ao considerarmos as mesorregiões mais produtoras (áreas com contorno amarelo) as dinâmicas se misturam, com expansão nas porções do sul mineiro, mas com economia de áreas nas regiões entre o oeste mineiro e o Espírito Santo.

Bovinocultura de Corte

Na bovinocultura, a dinâmica entre produtividade e expansão se manteve estável na maior parte do Brasil. Contudo, vale destacar o efeito inesperado (coloração roxa no mapa), pois em áreas já consolidadas e com maior intensificação, ocorreu a economia de terras (efeito Borlaug). Enquanto nas regiões de fronteira, onde a pecuária é extensiva, houve a expansão das áreas (efeito Jevons).


Quando olhamos para a dinâmica espacial da produção das culturas agrícolas aqui analisadas, e da bovinocultura, o que se constata é que houve a expansão das áreas produtivas, independentemente de ser AF ou Não-AF (ver Anexo I para detalhamento).


Em outros termos, existem mais elementos comuns entre as culturas vinculadas à AF e a Não-AF, que diferenças, e o efeito de Jevons indica isso. Portanto, se há área disponível para expandir a produção agrícola, ela será expandida. Em contrapartida, também se observou que nas áreas onde ocorre o feito Borlaug, ou poupa terra, as culturas possuem maior tecnologia, o que influencia diretamente no aumento da produtividade. Mas, isso não quer dizer que existe uma relação entre aumento da produtividade e redução do desmatamento. A bovinocultura é um exemplo disso, visto que nas áreas já consolidadas, a atividade é intensificada, e gera o efeito poupa terra. Ao passo que em regiões de fronteira, onde a pecuária é extensiva, o comportamento é de expansão. E mesmo com uma produtividade baixa, ainda assim acaba sendo economicamente viável converter a vegetação nativa.

Conclusões

A análise geoespacial gerou três importantes constatações. A primeira delas diz respeito à não relação entre os efeitos de Jevons (com aumento da expansão de área) e de Borlaug (com economia de área), e o perfil de produtores rurais. Ou seja, não há diferenciação entre a AF e a Não-AF (ver Anexo I para detalhamento), mas sim no modo como as culturas agrícolas se concentram na mesorregião. Nas mesorregiões que concentram 80% da produção (alta eficiência produtiva), há a predominância do efeito Jevons. Em outros termos, existe o aumento de produtividade, mas com a expansão da produção sobre outras áreas.


A partir desse achado, o que se nota é que os lucros da produção agropecuária são reinvestidos na atividade, visando tanto o aumento da eficiência – tecnologia, qualificação do trabalho e modelos de gestão – como na sua expansão. Dessa forma, a região produtora se especializa, aumenta a produtividade e, consequentemente, a expansão. Em contrapartida, nas culturas de resiliência, como é o caso da mandioca, o padrão é bem diferente. Muitas vezes, a produção se mantém ativa em decorrência de rendas de origem não agropecuária, mas de benefícios sociais do governo, por exemplo. Frente a esse cenário, também se observa, de um lado, o crescimento contínuo de competitividade, via efeito de Jevons, mas de outro, o processo de desativação que afeta a enorme maioria dos estabelecimentos rurais no Brasil.


A nível regional ou nacional, os efeitos negativos deste processo (predomínio do efeito de paradoxo de Jevons nas regiões especializadas e diminuição da área - sob diferente efeitos - nas regiões não especializadas) incluem os impactos ambientais decorrente da expansão de áreas sobre vegetação nativa (desmatamento), desativação produtiva de imóveis rurais associada à concentração de terras e dos meios de produção e a redução da área dos cultivos não-especializados (com ou sem a redução da variedade dos cultivos). O nível de interferência pública deve ser ajustado para que a produção agropecuária continue tendo como a base de seu desenvolvimento a incorporação de novas tecnologias (ganhos de produtividade e eficiência) e sua concentração nas regiões em que estes ganhos tecnológicos possam surtir maior efeito (paradoxo de Jevons) contanto que, ao longo deste caminho, os efeitos negativos sejam controlados ou compensados de maneira eficiente por medida como incentivos ou subsídios, tributação ou regulamentação.


Portanto, a questão que se coloca é, como reduzir essas assimetrias?


A segunda constatação está relacionada ao efeito de realocação de algumas culturas no território, especialmente os alimentos básicos. Há uma tendência de que áreas com culturas que apresentam demanda estável sejam transferidas para locais cujo aumento da produção seja mais rentável. Um exemplo é o feijão, que se deslocou do Sul do país para o Centro-Oeste, onde a produtividade é maior, tornando o produto mais competitivo. Ao contrário da soja, que possui demanda infinita, e na qual se observa o efeito Jevons.


No caso do feijão (ver Anexo I) a produção visa apenas o mercado doméstico. A quantidade produzida em 1995 foi a mesma de 2017 (2,1 Mt), a produtividade dobrou (de 0,5 t/ha para 1,1 t/ha) resultando na diminuição da área cultivada em 1995 de 4,1 Mha para 2,0 Mha em 2017. Mesmo com a redução da área de produção pela metade, refletido numa redução da área em diversas regiões (sul, sudeste e norte) na região centro-oeste a área aumentou de forma importante. O feijão, antes produzido em pequena escala pela AF em diversas regiões do Brasil, principalmente Sul e Sudeste, migrou para baixo dos pivôs centrais da região Centro-Oeste. Nas regiões que concentram 80% da produção, parte segue o efeito Borlaug (região Sul e Sudeste) e parte Jevons (Centro-Oeste). Nas regiões do Sul e Sudeste houve simultaneamente a incorporação de tecnologia (aumento de produtividade) e redução expressiva de área pela migração da produção para o Centro-Oeste que expandiu a área de produção de feijão com ganhos também crescentes de produtividade. As áreas que deixaram de produzir feijão no Sul e Sudeste em parte migraram para outros cultivos que lá se expandiram (a soja por exemplo) ou contribuíram para a desativação produtiva destes imóveis.Aqui, o principal fator para entender a dinâmica de expansão é a demanda. Em áreas/regiões nas quais o consumo não é tão expressivo, comparado com outras culturas, aquela lavoura deixa de ser interessante economicamente, e acaba migrando para outro lugar, onde a alta produtividade faz com que o produto se torne mais interessante. Nesses casos, é comum que a área/região antes ocupada com alimentos básicos seja substituída por outras culturas mais lucrativas (geralmente, a soja).


A terceira, e última diz respeito à bovinocultura, que possui uma dinâmica de expansão bem particular. Ela se intensifica apenas em áreas consolidadas, mas se extensifica em regiões de fronteira. O efeito Jevons não é observado porque a pecuária tem essa característica de extensificação sem o aumento da produtividade. O efeito estável é observado porque ainda há terra para a expansão. No entanto, a tendência é que com o passar do tempo o efeito Borlaug seja observado.


As regiões Sul-Sudeste foram as que experimentaram a intensificação da pecuária, com alta tecnologia, e viram o efeito poupa terra. Em contrapartida, ao olhar para os dados especializados da bovinocultura, nota-se que o efeito ‘inesperado’ está associado à ideia de produção de terra em especial nas regiões Norte e Nordeste.


Nas fronteiras da região Norte e Nordeste o efeito inesperado pode ser explicado pela combinação de duas atividades. A abertura de novas áreas (desmatamento) legal ou ilegal em terras privadas ou públicas visando sua valorização (produção de terra), que é combinada com sua ocupação pela pecuária de corte. No caso de a produção de terras ser mais rentável do que a produção pecuária ou ocorrer em maior intensidade, teremos maior produção de terras do que a capacidade ou vontade de sua ocupação com pecuária. O resultado desta combinação é o efeito inesperado para a pecuária, ou seja, o aumento de área com diminuição de produtividade.


Enquanto houver área disponível, a produção agropecuária se expandirá e ocupará essas áreas. Onde ocorreu o efeito ‘inesperado’ se ‘produziu terra’. Esse é um tema que já tem sido bastante discutido, visto que a terra é vista como um ativo, e tem sido até considerada mais interessante que o gado. Deve ser explorado, no âmbito de políticas públicas, quais os limites para que as expansões não sejam feitas de forma sistêmica, mas considerando o que pode melhor trazer retorno ao território.

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