Choque de escala


Quando o fim de ano se aproxima, proliferam balanços, retrospectivas, previsões e metas corporativas. Na gestão da sustentabilidade não é diferente. De olho no horizonte em 2020, ano cabalístico para as questões socioambientais mais urgentes, empresas de grande porte calibram métricas, planejam investimentos e definem compromissos que apontam para um mundo melhor e mais justo. “As soluções para os principais dilemas já existem, mas precisam ser difundidas e ganhar escala, com base em metas mensuráveis, para que tenham viabilidade”, afirma Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), organização que hoje reúne 75 empresas responsáveis por 40% do PIB brasileiro.

Na iniciativa Ação 2020, a instituição articula academia e setor produtivo para metas conjuntas com potencial de subsidiar políticas públicas que integrem sustentabilidade e desenvolvimento, facilitando projetos de médio e longo prazo. A plataforma pretende construir uma agenda de negócios replicáveis que precisam se incorporar ao mercado nos próximos sete anos para o país chegar em 2050 dentro de um novo patamar de sustentabilidade. Cada empresa deverá se engajar em pelo menos um dos nove temas prioritários, das emissões de carbono à conservação da água potável, balanço de nutrientes do solo, consumo energético e vida mais saudável.

No Brasil, a agenda deverá ser concluída até o fim do próximo ano. “O foco deve ser os impactos diretamente relacionados ao negócio e envolver todas as áreas corporativas, inclusive a financeira”, recomenda Grossi, ao ressaltar que “os indicadores de progresso estimulam a competição entre empresas”.

“Nada acontece na gestão sem o approach das metas, que precisam de contínua revisão”, reforça Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da indústria química Braskem. Três anos depois de inserir o tema no planejamento, a empresa realinhou a agenda, ampliando o leque de objetivos, incluindo o desenvolvimento local, entre outros pontos. Foram realizadas mais de 2 mil consultas internas e externas, com a conclusão de que os novos compromissos agregam valor ao negócio e reduzem riscos.

“Guiado por objetivos concretos, o meio empresarial tem feito mais que os governos”, diz o executivo, também presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global e líder da iniciativa “Arquitetos de um Mundo Melhor”, destinada a articular o mundo dos negócios para o avanço da agenda sustentável após 2015, a partir de uma “prosperidade inclusiva”.

Após esquadrinhar os impactos mais relevantes, a Braskem definiu, para 2020, o propósito de reduzir a intensidade de dióxido de carbono em 20%, em comparação com 2009. Para alcançar o índice, o plano é o aumento de eficiência e, principalmente, a captura de gases do efeito-estufa devido ao uso de matérias-primas renováveis. A expansão do plástico verde, produzido a partir do etanol da cana-de-açúcar, é chave. Mas o aumento da escala depende da demanda de mercado.

“O resultado financeiro é uma das metas de sustentabilidade”, argumenta Soto. Ele cita o economista indiano Pavan Sukhdev, autor do livro “Corporação 2020”, no qual traça as condições para o desenvolvimento de empresas mais responsáveis e destaca a importância da viabilidade econômica. “Não podemos esperar até 2050 ou 2100 para fazer mudanças no desempenho ambiental; as transformações devem ocorrer na próxima década se quisermos manter a esperança de construir uma economia sustentável”.

Em suas operações no Brasil, a multinacional do agronegócio Bunge bateu a meta global de reduzir em 5% as emissões de carbono por tonelada de produto, atingindo 23% entre 2011 e 2013. “Temos matriz energética mais limpa e métrica que permite aprofundar nos projetos para definir mudanças, adaptando tecnologias à realidade tropical como uma vantagem competitiva”, explica o gerente de sustentabilidade, Michel Santos.

Na indústria química Dow, as metas são monitoradas por executivos do alto escalão e incluem pelo menos três inovações radicais, a cada dez anos. O plano é reduzir emissões de gases do efeito-estufa em 2,5% ao ano até 2015, além de dobrar as vendas de produtos oriundos da “química verde”. “Melhor ter poucos índices, mas desafiadores, que façam a diferença”, diz Christianne Canavero, diretora de sustentabilidade, ao admitir que a expansão produtiva força rever metas, como as de eficiência energética.

“É preciso envolver fornecedores locais”, lembra David Canassa, gerente do grupo Votorantim, que pretende até 2020 mapear o ciclo de vida de todos os produtos, desde a extração da matéria-prima até o consumo.

“Tantos planos dão a impressão de que chegaremos ao melhor dos mundos daqui a sete anos, mas avanços só ocorrerão se as metas forem construídas coletivamente e estiverem a serviço de algo maior, conectadas com a realidade local”, analisa o professor Paulo Branco, vice-coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade, da FGV, em São Paulo.

“Faltam dados regionais para aferir compromissos, os mecanismos de monitoramento e controle social são frágeis e muitas vezes só as metas alcançadas são reportadas”, adverte Branco. Ele lembra que falhas na governança são hoje os principais entraves da sustentabilidade: “Meta boa é ambiciosa, mas factível e mensurável; não pode bloquear, mas inspirar, e deve conversar com o consenso global de reflexão sobre os limites do crescimento”.

“Queremos dobrar de tamanho e reduzir pela metade o impacto ambiental até 2020”, conta Ligia Camargo, gerente de sustentabilidade da Unilever. A empresa pretende contribuir para um planeta saudável vendendo mais produtos, principalmente aqueles ligados a aspectos socioambientais, aumentando o faturamento anual de 40 bilhões para 80 bilhões.

Com o sabonete bactericida, por exemplo, o plano é estimular o hábito de lavar as mãos, com reflexos na redução da mortalidade infantil e no bem-estar de 1 bilhão de pessoas no mundo. Entre os objetivos para os próximos sete anos está o uso de 100% de matéria-prima a partir de fontes sustentáveis (hoje de 36%) e duplicar o portfólio de alimentos com teores de sódio, açúcar e gordura recomendados pela Organização Mundial de Saúde. “Não é uma opção de negócio, é a única escolha”, enfatiza.

Sob o ponto de vista social, oportunidades chegam ao setor de seguros. “Planejamos atender aos 83,2% da população brasileira sem acesso ao sistema no Brasil”, informa Fátima Lima, diretora de sustentabilidade do Grupo BB Mapfre. Ela destaca que a segurança financeira é uma questão de bem-estar e que ascensão ao consumo e o aumento da expectativa de vida despertaram uma busca maior por proteção. A demanda se potencializa frente aos riscos dos impactos climáticos, como desastres naturais e quebra de safra agrícola, principalmente entre pequenos produtores. “É preciso desde já desenhar o futuro”, afirma a diretora.

Matéria publicada no jornal  Valor Econômico em 20/12/2013