Crise hídrica e empresas: parte do problema e da solução

Data: 23/09/2021
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Setor privado deve se preparar para um cenário agravado pelas mudanças climáticas, mas pode se articular por uma melhor governança para os recursos hídricos

 

Está em todo o noticiário: o Brasil vive a pior crise hídrica dos últimos 91 anos, de acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME). Essa situação impacta diretamente a geração de eletricidade, o abastecimento de água e gera pressão inflacionária, afetando o já combalido orçamento das famílias brasileiras. Os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste, que correspondem a 70% da energia gerada no Brasil, estão com 21,3% da capacidade de armazenamento, segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a previsão é de que até novembro esse número alcance 10%. Embora o governo descarte um racionamento de energia, o fato é que a situação não é, nem de longe, confortável.

E o cenário tende a se agravar, à medida que estamos mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas. A elevação da temperatura global, que já alcançou 1,09°C, tende a trazer eventos extremos, como as secas, com maior frequência, de acordo com o mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, lançado em agosto. 

Outro fator que corrobora esse cenário de risco é a perda de superfície de água que vem ocorrendo em oito das doze regiões hidrográficas brasileiras, segundo recente estudo realizado pelo MapBiomas. Entre 1985 e 2020, a redução da água doce em rios e lagoas no país foi de 15,7%.

O desmatamento, que segue em taxas altas em biomas importantes como a Amazônia e o Cerrado, é uma das grandes razões para esta perda e contribui ainda mais para esse cenário desolador. Com menos floresta, há quebra no ciclo de água, resultando em um menor fluxo dos chamados “rios voadores”, que trazem a umidade e as chuvas da Amazônia para o Centro-Sul.

Embora rico em recursos hídricos, o país vem sofrendo com a falta de governança deles. A existência de instrumentos de gestão previstos na Política Nacional de Recursos Hídricos desde 1997 – tais como os planos de bacias, a outorga e a cobrança pelo uso da água -, que se encontram em diferentes estágios de implementação nas bacias hidrográficas brasileiras, não tem sido suficiente para reverter esse quadro.. É nesse ponto que cabe às empresas algumas reflexões: a partir do que estamos vendo hoje, é inevitável que a redução na disponibilidade da água se repetirá ao longo dos anos, afetando o volume e preço das outorgas. A água caminha para se tornar um insumo mais caro, o que deve afetar a cadeia produtiva de muitos setores.

As empresas são parte do problema e também da solução. Elas podem ajudar  de diferentes formas: tornando-se mais ativas na governança dos recursos hídricos, com participação mais ativa nos Comitês de Bacia; investindo na chamada infraestrutura verde, com Soluções Baseadas na Natureza e ações de recuperação de mananciais e áreas de preservação permanente; e, ainda, trabalhando na recuperação e no plantio de florestas em bacias degradadas.

É necessário, também, avançar nas políticas de reuso de água. Essa prática já é adotada com sucesso por companhias de diversos setores, de petroquímicas a siderúrgicas, com benefícios ambientais e econômicos: há casos em que a recirculação de água supera 90%. No entanto, o país carece de um marco regulatório nacional específico para o reuso de água do esgoto, não apenas dos efluentes industriais. Há oportunidades para gerar novos negócios a partir do tratamento e reaproveitamento do esgoto, que contribuiria para aumentar a segurança hídrica nacionalmente. 

No CEBDS, temos uma Câmara Técnica dedicada à água que atua na produção de conhecimento e na articulação de soluções. Nesse fórum, discutimos os caminhos para que o Brasil deixe pra trás o cenário negativo. Não podemos esperar de braços cruzados que novas crises se sucedam, ou, pior, normalizar a escassez hídrica e os impactos que ela gera no bolso e na vida dos brasileiros. Em 2020, avançamos com a aprovação do novo marco legal para o saneamento básico, que já gera efeitos na atração de investimentos e na realização de leilões de concessões. Agora, diante da crise hídrica e energética, o setor privado pode e deve usar sua influência junto à cadeia de fornecedores para traçar metas mais ambiciosas de reuso e economia de água, de iniciativas de reflorestamento, e liderar novos avanços.

 

Por Marina Grossi

Presidente do CEBDS