No século 18, o químico francês Lavoisier cunhou a célebre frase “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Quase três séculos depois, o ciclo da natureza é a inspiração para o novo estudo divulgado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o Guia sobre Economia Circular de Água.
A publicação tem o objetivo de replicar, junto a outras empresas, experiências bem-sucedidas na gestão hídrica. No Guia, o combate ao desperdício norteia ações empresariais, que servem como modelo replicável e impulso para novas iniciativas de sustentabilidade hídrica.
Que tal conhecer um pouco mais sobre os conceitos e como aplica-los no dia a dia das empresas? Nesta breve entrevista, o assessor técnico do CEBDS e coordenador da Câmara Temática de Água, André Ramalho, fala um pouco sobre os principais conceitos abordados na publicação.
André Ramalho – O conceito básico tradicionalmente aplicado é aquele aonde extraímos o insumo, fazemos o produto, utilizamos e depois descartamos. Na economia circular busca-se quebrar essa sequência, desenvolvendo e adaptando produtos para que, ao invés de serem descartados, os mesmos possam ser reaproveitados e reinseridos no sistema, zerando ou reduzindo a necessidade de extração de novos insumos.
AR – A lógica se aplica quando você ao invés de descartar a água com condições diferentes das originais, como é o caso das águas residuais, esgoto por exemplo, você a retrata e reinsere no sistema para reduzir uma nova captação, envolve também buscar alternativas para utilizar a água em circuitos fechados ou podendo circular em sistemas várias vezes antes de ser tratada e descartada.
AR – A economia circular da água ajuda as empresas a se tornarem mais eficientes, reduzindo o uso da água, auxiliando na manutenção da sua disponibilidade e qualidade, reduzindo riscos. Os riscos vão desde perda de produtividade, até conflitos de uso com a sociedade por exemplo. Além do mais o uso eficiente contribui para a imagem e para as contas das empresas.
AR – Os 5Rs – Reduzir, Reusar, Reciclar, Restaurar e Recuperar – para água, estabelecidos pela International Water Agency (IWA), visam consolidar formas de ações que levarão a economia circular. Visam desde estimular a eficiência na gestão (Reduzir e Reusar), até a parte de auxiliar na restauração de ecossistemas e recuperação da qualidade da água que atende tanto as empresas quanto a sociedade.
Pelo fato de a unidade estar localizada em uma região de grande escassez hídrica, na Bacia do Rio São Francisco, a Nestlé implementou na fábrica de cápsulas de café da NESCAFÉ® Dolce Gusto®, em Montes Claros, iniciativas inovadoras para garantir a captação neutra de recursos hídricos, como a reutilização da água extraída do leite condensado fabricado em sua instalação vizinha. A fábrica de Leite Moça® fornece 100% da água utilizada no processo de produção de cápsulas de café.
Com a implantação do projeto de reuso da água do leite, as unidades da Nestlé na região evitam a captura de 68 mil m³ de água por ano. Apenas a fábrica da NESCAFÉ® Dolce Gusto® evitou a captura de 12,489 m³ de água em 2017.
A aplicação da Agricultura Digital na cadeia de produção de frutas da Coca-Cola contribui para o uso eficiente de recursos hídricos e resiliência climática. A iniciativa está contribuindo para a redução do risco climático da cadeia de suprimentos e aumento da resiliência dos agricultores.
Em busca de soluções inovadoras para ajudar a solucionar problemas relacionados à crise hídrica, a empresa lançou em 2016 o Coca-Cola Open Up Água – plataforma de inovação aberta que lança desafios para o público solucionar. Desse programa, surgiu uma parceria com a Agrosmart, plataforma de agricultura digital que ajuda produtores rurais a tomarem melhores decisões no campo e serem mais resilientes às mudanças climáticas. A empresa gera recomendações ao monitorar lavouras por meio de sensores e imagens de satélite, interpretando as necessidades da planta em tempo real e fornecendo recomendações para irrigação e controle de doenças e pragas.
Após o primeiro ano do projeto, já foi possível identificar o potencial de economia de 30% de água utilizada na irrigação e aumento de produtividade em 10%.
O Projeto Aquapolo, é uma parceria da SABESP com a Odebrecht Ambiental (atual BRK Ambiental). É o maior empreendimento para a produção de água de reúso industrial na América do Sul e quinto maior do planeta. Está apto a produzir 1.000 litros/segundo de água de reúso. A cada litro de água produzida em suas instalações, outro litro de água potável é economizado e disponibilizado para o consumo humano.
A Braskem assumiu que consumiria 65% de toda água produzida no Aquapolo garantindo que o projeto se mantivesse.
Num primeiro momento, a empresa não tinha a clareza de que ele era, além de um projeto de melhoria de eficiência hídrica, também um ótimo projeto que ofertaria água de boa qualidade. Para exemplificar, uma planta que utilizava água em sua torre de resfriamento, operava com a mesma água durante 4 ciclos. Com a água proveniente do Aquapolo passou a operar com 8 ciclos. A qualidade da água permitiu que fossem realizados mais ciclos internos e assim melhorar a eficiência dentro da própria planta. A utilização de água de reúso proveniente do Aquapolo permitiu que, durante a crise hídrica de 2014 na Região Sudeste, a empresa operasse normalmente e até alcançasse recordes de produção (de 2014 para 2015), enquanto outras empresas atuando na mesma região tiveram que diminuir sua carga de operação.