Por: Elissa Mitsuko Tokusato
O conceituado relatório World Energy Outlook (WEO 2020) foi recentemente publicado com o tema “Os impactos da Covid-19 e as perspectivas de aceleração na transição energética”. O estudo anual, produzido pela Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), é uma das principais referências para o setor energético internacional e nesta edição apresenta um novo cenário ambicioso: emissões líquidas zero até 2050. No Brasil, seu evento de lançamento ocorreu no dia 14 de dezembro com a colaboração da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do Ministério de Minas e Energia. No entanto, indo na contramão da tão falada recuperação econômica verde, o setor energético brasileiro indica caminhada rumo à diminuição da ambição climática.
O WEO 2020 revela os efeitos imediatos da pandemia no sistema de energia: retração de 5% na demanda global, 7% nas emissões de CO2 e 18% nos investimentos para o setor. O declínio global das emissões de gases de efeito estufa (GEE) deu-se, principalmente, devido à diminuição do consumo de petróleo e de carvão em 8% e 7%, respectivamente. É sempre importante destacar que esta redução se deu pelos motivos errados. Apesar de contar com menor participação do setor energético nas emissões de GEE deste ano, nosso país tem ido no sentido contrário: aumentamos de 10 a 20% nossas emissões nacionais em 2020, impulsionadas pelo desmatamento[1].
No evento de lançamento, representantes da IEA mostraram-se otimistas com a retomada do setor energético em 2021, referindo-se a esta época como uma “era de ouro” por conta de avanços em políticas de modernização no setor de gás e eletricidade, do desenvolvimento em eficiência energética, da disseminação da inovação em diferentes áreas do setor, e mostraram-se esperançosos, em especial, em relação ao avanço dos biocombustíveis. Além disso, o relatório concluiu que as energias renováveis são menos afetadas pela pandemia e suas consequências em comparação às outras fontes, e espera-se grande crescimento destas.
Ainda assim, o relatório mostra grandes desafios a serem enfrentados: cerca de 660 milhões de pessoas não terão acesso à eletricidade e 2,4 bilhões não terão acesso à fonte limpa para cocção em 2021. Mesmo com a perspectiva da retomada econômica no médio prazo, a incerteza sobre a recuperação do setor continua alta, e quatro cenários foram apresentados, dos quais variam especialmente a depender das políticas de larga escala. São estes:
- Cenário de Políticas Declaradas (STEPS, do inglês Stated Policies Scenario): a Covid-19 é gradualmente colocada sob controle em 2021 e a economia global retorna aos níveis anteriores à crise no mesmo ano. Reflete todas as intenções e metas de política anunciadas hoje.
- Cenário de Recuperação Atrasada (DRS, do inglês Delayed Recovery Scenario): possui as mesmas premissas de política do STEPS, mas considera danos duradouros às perspectivas econômicas. A economia global retorna ao seu tamanho pré-crise apenas em 2023, e a pandemia inaugura uma década com a menor taxa de crescimento da demanda de energia desde 1930.
- No Cenário de Desenvolvimento Sustentável (SDS, do inglês Sustainable Development Scenario): considera uma onda de políticas e investimentos de energia limpa colocando o sistema de energia no caminho para atingir os objetivos de energia sustentável em sua totalidade, incluindo o Acordo de Paris, acesso à energia e metas de qualidade do ar. Um número crescente de países e empresas visa emissões líquidas zero, normalmente em meados do século, no caminho de se alcançar emissões líquidas zero globais até 2070. As premissas sobre saúde pública e economia são as mesmas do STEPS.
- O novo caso Emissões líquidas zero até 2050 (NZE2050, do inglês Net Zero Emissions by 2050) estende a análise SDS e inclui a primeira modelagem detalhada da IEA para o que seria necessário nos próximos dez anos para colocar as emissões globais de CO2 no caminho da neutralidade das emissões líquidas até 2050. É considerada muito ambiciosa e seria necessário um esforço sem precedentes para que este cenário se concretize.
Figura 1: Estimativa de emissões GEE ao longo das décadas por cenário de retomada do setor energético internacional. Caso as políticas de redução de emissões existentes atualmente sejam cumpridas, ainda serão necessárias muitas iniciativas ambiciosas das demais partes (representadas pela área cinza) para alcançarmos o cenário de desenvolvimento sustentável (SDS). (Fonte: IEA, 2020)
O setor energético brasileiro, representado pela EPE, revelou pouca ambição com relação à contribuição brasileira na concretização das emissões líquidas zero até 2050. A EPE apresentou comentários sobre a perspectiva brasileira no cenário global no evento de lançamento da publicação, que incluíram:
- Expectativas de aumento na exportação de petróleo devido à valorização do petróleo brasileiro no mercado internacional, tendo como principal comprador a China (que, por sua vez, divulgou meta de emissões líquidas zero até 2060);
- Aumento da importação do diesel e derivados de petróleo;
- Reconhecimento dos biocombustíveis e o hidrogênio de baixo carbono como soluções para a descarbonização dos setores de mineração e de transportes, tecnologias verdes das quais o Brasil possui grande potencial de se tornar exportador;
- Liderança das fontes solar e eólica na expansão da capacidade instalada, que devem ser cada vez mais valorizadas, requerendo maiores investimentos para sofisticação de modelos de transmissão e distribuição;
- Posicionamento a favor de um mercado de carbono no país, que trará grandes benefícios ao setor.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2030 (PDE 2030), recentemente disponibilizado para consulta pública (contribuições podem ser feitas até 13/01/2021, acesse aqui), prevê diminuição da representatividade das hidrelétricas na matriz energética, com perspectivas apenas de ampliação de usinas existentes e crescimento da oferta de gás natural. Assim, apesar da tendência na redução de emissões do setor para os próximos anos[1], o PDE 2030 prevê aumento contínuo das emissões, indicando montante total de 484 milhões de toneladas de CO2e, baseado na justificativa de crescimento econômico. Além disso, a minuta do documento propõe esforços de mitigação em outros setores, alegando que a matriz energética contribui pouco para as emissões.
Ao contrário das expectativas apresentadas, as empresas do CEBDS têm reconhecido grandes oportunidades na descarbonização e têm investido cada vez mais nas fontes renováveis de energia, como a Schneider Electric, a NotreDame Intermédica, o Banco do Brasil, a Braskem e a Ambev. Para saber mais sobre contratos corporativos de energia renovável acesse o Guia para Power Purchase Agreements (PPAs) Corporativos de Energia Renovável no Brasil .
O PDE 2030 prevê, ainda, o não cumprimento dos 10% em ganhos de eficiência energética, proposto na Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil (NDC) para o Acordo de Paris. É interessante destacar que somos o único país do G20 do qual o crescimento do consumo energético é maior do que o econômico[2], conforme reconhecido pelo próprio PDE 2030, o que revela significativos gargalos em eficiência energética.
Em busca de ampliação de ações e projetos de eficiência energética na indústria, a Câmara Temática de Energia e Mudança do Clima do CEBDS vem trabalhando no assunto por meio do projeto Frente de Eficiência Energética (FEE), em parceria com o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID). Em 2021, a FEE realizará duas capacitações para eficiência energética “Capacitação e fomento à ISO 50.001” e “Financiamento para Eficiência Energética: desafios e oportunidades da PEE”, mais informações serão divulgadas em breve.
Diante do desafio da retomada verde, a IEA recomenda ao Brasil que se aproveite de sua posição favorável quanto à participação das renováveis na matriz energética, porém que fique atento para manter a liderança por meio de suas políticas energéticas. Conforme já reconhecido por muitos, devemos unir esforços para aumentar as ambições climáticas para o setor, acatando as oportunidades disponíveis para tornar o Brasil protagonista na retomada verde do setor energético internacional.
Referências:
[1] Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e Observatório do Clima. Impacto da Pandemia de Covid-19 nas Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil. Maio de 2020. Disponível em:< http://www.observatoriodoclima.eco.br/wp-content/uploads/2020/05/SEEG-OC_Nota_Tecnica_Covid19_Final.pdf>. Acesso em 17 de dezembro de 2020.
[2] Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e Observatório do Clima. Impacto da Pandemia de Covid-19 nas Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil. Maio de 2020. Disponível em:< http://www.observatoriodoclima.eco.br/wp-content/uploads/2020/05/SEEG-OC_Nota_Tecnica_Covid19_Final.pdf>. Acesso em 17 de dezembro de 2020.
[3]BORGES, Kamyla. Folha de São Paulo, dezembro de 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/12/a-hora-e-a-vez-da-eficiencia-energetica.shtml?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=17122020-ClimaInfo-Newsletter&origin=folha>. Acesso em 17 de dezembro de 2020.