Capital Natural, uma revolução estratégica

Por Marcos Bicudo e Marina Grossi

Artigo publicado no jornal Valor Econômico desta quinta-feira (15)

Uma das maneiras mais efetivas de gerenciamento dos impactos da atuação das empresas sobre os recursos naturais do planeta está na incorporação do conceito de capital natural aos planejamentos estratégicos das corporações. As instituições financeiras passaram, em várias situações, a incorporar esse conceito quando fazem as análises de projetos que buscam financiamento porque entenderam as repercussões dos riscos associados ao uso intensivo dos recursos naturais do planeta e seus impactos eventuais na atividade/produtividade das corporações.

O risco associado ao capital natural, do ponto de vista da atividade produtiva, pode ser definido como uma cautela necessária frente a uma externalidade negativa. Em jargão econômico, as externalidades são fatores não contabilizados, elementos que não fazem parte dos planejamentos dos negócios e que podem ser internalizados em determinado momento. Quando são negativas, essas externalidades se tornam um problema. Algumas vezes um grande problema, porque podem passar a afetar a própria natureza das atividades, causando efeitos deletérios imprevisíveis ou mesmo inviabilizando modelos de negócios inteiros.

A má gestão da relação das atividades empresariais com o capital natural mobilizado nos múltiplos processos produtivos é responsável, em nosso país, por externalidades da ordem de R$ 1,646 bilhões ao ano, segundo estudos da Consultoria Pangea Capital.

Aquilo que não conseguimos quantificar nos traz maior dificuldade de entendimento e de inserção na gestão dos negócios. Baseados nessa ideia, um grupo de cientistas vinculados ao Stockholm Resilience Centre estipulou nove fronteiras que os seres humanos não poderiam ultrapassar, sob risco de colocar em xeque a nossa vida no planeta. O estudo, divulgado em 2009, apontou que três destes limites já foram ultrapassados no estágio atual de desenvolvimento. Estes limites dizem respeito aos campos das mudanças climáticas, da biodiversidade e da concentração de nitrogênio na atmosfera.

Não é mais factível que, diante de inúmeros exemplos de conflitos crescentes pela distribuição de bens naturais, as empresas deixem de considerar as possibilidades de escassez de recursos como água, ou as consequências imprevisíveis de eventos associados às mudanças climáticas causadas pelos níveis cada vez maiores de dióxido de carbono na atmosfera.

As lideranças empresariais do passado não levavam em conta os impactos da relação dos negócios com o capital natural. Isto porque havia a suposição de que os recursos eram infinitos ou inesgotáveis. Hoje, sabe-se que os riscos associados a falta ou escassez dos elementos mobilizados no processo produtivo não podem mais deixar de ser sempre considerados nos planejamentos dos processos, nem nas análises de risco de crédito.

Estamos falando do impacto direto nas atividades do dia a dia das empresas, em suas operações de crédito, nas perspectivas de expansão do negócio, na forma como ele se organiza e na perspectiva de sua sobrevivência. Os recentes eventos relacionados à crise hídrica e elétrica são exemplos eloquentes desse fato.

Robert Costanza, pesquisador americano e uma das maiores referências para a definição dos contornos conceituais da ideia de capital natural, propôs, em 1997, uma metodologia de precificação dos bens e serviços ecossistêmicos, em todo o planeta, não passíveis de expressão mercadológica. São bens decisivos para a vida de todos nós e para as atividades produtivas. Em estudo divulgado em 2014, chegou a uma cifra de 145 trilhões de dólares. O cálculo inclui diversos benefícios que vão da polinização de plantas à oferta de água. De lá pra cá, a necessidade de especificação desse conceito vem, progressivamente, ganhando espaço.

A incorporação do conceito de capital natural na vida das empresas é um processo de quebra de paradigmas que demanda o desenvolvimento de uma metodologia capaz de capturar em números a dimensão dos impactos relacionados aos diversos setores. Nesse sentido, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) associou-se à iniciativa chamada Natural Capital Coalition, formada por um grupo de renomadas instituições de alcance mundial, para a elaboração do Protocolo de Capital Natural.

Esse Protocolo é uma proposta, fundamentada cientificamente, de padronização. Ele oferece aos gestores de negócios um método com o objetivo de produzir relatórios que, de forma articulada, dimensionem os impactos de suas atividades sobre o capital natural. Segmentos muito diversificados, de mineradoras a bancos, com relações também muito variadas com os recursos ecossistêmicos, poderão aferir a dimensão de sua “pegada” natural de forma coerente, em função de uma metodologia única.

No evento de lançamento da metodologia, ocorrido em julho, em Londres, algumas empresas globais foram selecionadas para apresentar seus cases de aplicação do Protocolo, entre elas a brasileira Natura, já avançada na incorporação dessa dimensão conceitual e na avaliação dos impactos de sua atuação. Por meio de seu Projeto de Valoração de Externalidades pode quantificar os impactos causados em toda a sua cadeia de produção, desde a etapa de plantio, extração, fabricação até distribuição e consumo, incluindo o uso e degradação das embalagens. A Natura chegou ao número de R$132 milhões, correspondente a 2% de seu faturamento.

Outras grandes corporações como Eletrobrás, Renova Energia, CPFL, Votorantim e Amaggi também se associaram aos testes previstos no Protocolo. O CEBDS, cumprindo seu papel mais relevante, vai participar ativamente na capacitação das empresas brasileiras para o processo de implementação do Protocolo por meio da Parceria Empresarial pelos Serviços Ecossistêmicos (PESE). Estamos diante de um desafio estrutural, um desafio que vai mudar o modo como as empresas vêm a si mesmas e a sua relação com a sociedade e o próprio planeta.
Marcos Bicudo é chairman do CEBDS e CEO da Masisa.

Marina Grossi é presidente do CEBDS.

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