Região tem enorme potencial de geração de créditos com a floresta em pé, o que pode alavancar o desenvolvimento socioambiental
Dois dados chamam a atenção do relatório “State and Trends of Carbon Pricing 2022”, publicado em maio pelo Banco Mundial. A receita global gerada pela precificação do carbono aumentou quase 60% no ano passado, atingindo a cifra de US$ 84 bilhões. Pela primeira vez na história, o total contabilizado pelos 32 sistemas de compra e venda de créditos de carbono em várias regiões do planeta ultrapassou o que é movimentado pelos 36 sistemas espalhados pelo mundo que taxam de alguma forma a emissão de carbono. Agora, a balança, indica o documento, está em R$ 56 bilhões contra R$ 28 bilhões movimentados pelas cobranças de impostos.
São recursos bilionários gerados por iniciativas que visam evitar as emissões de gases do efeito estufa. Em outras palavras, é dinheiro novo para combater o aquecimento global, que já tem causado fenômenos climáticos extremos – como secas severas, fortes enchentes e tempestades de grandes proporções, que levam à morte de pessoas, à perda de casas e à quebra de safra, por exemplo.
Nesse mercado de carbono, a Amazônia tem um grande potencial de geração de créditos. A floresta em pé retira os gases de efeito estufa da atmosfera e, portanto, pode virar fonte de créditos. Em contraposição, a derrubada e a queima das árvores emitem esses gases. Em 2020, por exemplo, enquanto a média mundial de emissões de gases-estufa caiu 7% por causa da desaceleração econômica gerada pela pandemia de covid-19, o Brasil teve aumento de 9,5% (o maior responsável foi justamente o desmatamento).
Um exemplo de como a Amazônia pode gerar créditos de carbono são os projetos chamados de REDDs (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal). São ações de combate à derrubada da floresta que resultam na diminuição das emissões geradas por desmatamento e degradação, somado à conservação dos estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento dos estoques de carbono florestal.
É o caso do Projeto Jari Pará, uma parceria da Biofílica Investimentos Ambientais S.A. e do Grupo Jari, formado pela Jari Celulose e a Fundação Jari, que tem como objetivo evitar o desmatamento e minimizar impactos socioambientais, promovendo benefícios para o clima, biodiversidade e comunidades da região do município de Almeirim (PA).
No caso do projeto no interior da Amazônia, existem 496 mil hectares sob proteção. Todo ano, 517 mil toneladas de carbono equivalente deixaram de poluir a atmosfera da floresta, e do planeta.
A área de atuação do Jari Pará, na divisa com o Amapá, é um importante corredor de biodiversidade amazônico, ameaçado pelo desmatamento. As estimativas dos técnicos do projeto é que estejam protegidas 340 espécies da flora (54 delas em risco de extinção) e 2.070 da fauna (133 em risco).
Em termos de desenvolvimento socioeconômico, 303 famílias, de 7 comunidades diferentes, estão sendo impactadas. Os recursos do projeto – obtidos com a venda de créditos de carbono no mercado voluntário – ajudam na capacitação dos produtores locais. Desde a implantação de sistemas agroflorestais com diversidade na produção até cursos de cooperativismo, liderança e gestão financeira, entre várias outras atividades.
Existem diversas iniciativas como esta em curso no Norte do país, organizadas por outros grupos empresariais. Mas a negociação de créditos de carbono não é o único caminho na busca por uma economia descarbonizada. Há outras maneiras que o setor privado pode atuar.
Empresas como a Siemens vêm desenvolvendo ações tanto externas quanto internas para ajudar a sociedade a combater os efeitos das mudanças climáticas globais. Segundo Márcia Sakamoto, especialista em Sustentabilidade da Siemens, o compromisso de neutralidade climática nas operações assumido para ser atingido em 2030 foi antecipado para 2025, e quase 90% da meta já está cumprida. “Somos hoje uma empresa de tecnologia que desenvolve caminhos para uma gestão mais eficaz de energia, colaborando também para a transição a fontes mais limpas e o armazenamento energético”, diz Márcia.
A Siemens foi uma das centenas de empresas que, em 2020, assinaram um manifesto que demonstrava preocupação com a condução da política ambiental no país. O documento, que foi apresentado ao vice-presidente Hamilton Mourão, pode ser conferido aqui: https://cebds.org/wp-content/uploads/2022/07/Comunicado_Setor_Amazonia_v8-1-1-1.pdf.
Mercado de carbono regulado
No Brasil, existe nos últimos meses e anos um encaminhamento, tanto por parte da sociedade organizada quanto pelo próprio governo, de prosseguir na direção do fortalecimento dos mercados de créditos de carbono em vez de opção pela criação de um sistema de taxação das emissões.
O CEBDS defende, de forma pública e transparente, a criação de um marco regulatório, criado por lei, para dar credibilidade e liquidez aos direitos de emissão dos créditos de carbono. O texto precisa definir princípios, critérios de revisão que contemplem objetivos nacionais de mitigação, caminhos de integração com mercados subnacionais, internacionais e voluntários, além de outros itens igualmente importantes. Como, por exemplo, definir qual órgão governamental do executivo federal vai implementar e coordenar o marco regulatório. Existem três princípios, ainda, dos quais não se pode abrir mão, defende o CEBDS. O mercado regulado precisa ser implantado de forma gradual, a competitividade precisa ser preservada, assim como a boa governança.
O fato de o Brasil precisar consolidar o mercado regulado de carbono não significa que não exista espaço para o chamado mercado voluntário. Nesse sistema, empresas podem fechar transações entre si, de forma independente. Enquanto que nos chamados mercados regulados, cada país terá que aprovar, por meio de legislação específica, as regras do jogo. O que significa que governos nacionais ou subnacionais podem criar sistemas de comércio de emissões que seguem uma lógica específica. Se define os setores e as entidades que vão entrar no jogo e se determina um limite para as emissões desses protagonistas, ou seja, o “cap”.
Por esse modelo, se uma empresa ou entidade ultrapassa o teto de emissões, ela vai precisar compensar esse estouro, comprando permissões de companhias que ficaram abaixo da meta e, por isso, têm permissões sobrando para emitir. Ou seja, é o “trade”, do processo conhecido mundialmente pela sigla cap and trade.
Esse é um sistema de soma zero, o mercado não reduz emissões, apenas permite que isso aconteça ao menor custo possível. Assim, empresas que reduzem suas emissões podem vender permissões para aqueles que não conseguiram poluir menos ou que precisam investir muito para conseguir tal objetivo.
E ainda, para balizar o comércio de créditos de carbono entre os países, de forma bastante simplificada, é que existe o Artigo 6 do Acordo de Paris. As regras para o funcionamento dessa parte do Tratado Climático acordado em 2015 na capital francesa, que não recaem sobre o mercado voluntário de carbono, foram definidas na COP26, em Glasgow, no ano passado.
“A questão do mercado de carbono, principalmente em relação ao regramento e de como fazer a contabilidade dos créditos em si, avançou bastante, inclusive no Brasil”, afirma Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar Environment. O especialista fundou a empresa pioneira em transações de créditos de carbono em 2008 e, em 2021, mais da metade do grupo foi comprada pela Ambipar. “Essa tendência do mercado de carbono apontada, por exemplo, pelo relatório do Banco Mundial não vai parar mais. E, no caso da questão do uso da terra, que não se regula muito, o mercado voluntário é a ferramenta que vai ser mais importante ”, afirma Plínio.
A experiência à frente da Biofílica dá respaldo à frase do especialista, que também defende que haverá muita complementaridade entre os mercados regulados e voluntários de carbono. Além dos corredores e salas das grandes conferências climáticas da ONU, e de acompanhar os debates no Congresso em Brasília, os especialistas da Biofílica, desde o começo, têm a experiência do que ocorre no mundo real. A empresa é líder mundial em quantidade de área disponível para certificação de créditos de carbono de origem florestal.
Não há dúvida, segundo Plínio, que o Brasil precisa acertar cada vez mais as regras do jogo para atrair investidores e não desperdiçar o potencial que tem, seja na Amazônia ou em outros biomas, como a Mata Atlântica. No sentido da regulamentação do mercado de carbono do país, hoje, existem duas frentes.
O governo federal publicou em maio o decreto 11.075 que tenta regular o mercado de carbono nacional. E, desde o ano passado, existe no Congresso Nacional o PL 528 que também tem como objetivo regular a compra e a venda de créditos de carbono no País. Enquanto a primeira iniciativa foi feita sem a participação da sociedade, a segunda é fruto de um entendimento entre academia, políticos e representantes do setor privado. Para a maioria dos especialistas no tema, tanto o mercado regulado quanto o voluntário têm chances de coexistir de forma paralela.