Prestação de contas transparente

 

Uma Agenda de Desenvolvimento pós-2015 bem sucedida vai exigir uma estrutura de monitoramento e prestação de contas robusta, inclusiva e transparente. Prestação de contas se estende para além da esfera governamental e se aplica a todas as partes interessadas reportando o seu papel na implementação de uma agenda de desenvolvimento universal. E é isso que eu vou fazer hoje: falar sobre a prestação de contas das empresas.

Há uma dinâmica singular reunindo duas correntes globais, dois movimentos: 1) o movimento dos negócios e das partes interessadas ​​por trás da crescente integração das questões de sustentabilidade aos negócios e 2) a crescente prática de prestação de contas desenvolvida na área de Relatos de Sustentabilidade nos últimos anos, somada ao monitoramento intergovernamental global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A realidade é que o setor privado é diverso. Felizmente, o número de empresas que valorizam a importância do seu desempenho social e ambiental está crescendo. Mas essa percepção ainda está longe de ser universal. O Pacto Global das Nações Unidas, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês) e a Global Reporting Initiative são os atores globais centrais no avanço desta prática. Nós unimos forças em uma nova Aliança para estabelecer uma forte correlação entre esta prática crescente nas empresas e seus stakeholders e os ODS. Nós chamamos a nossa aliança de Post-2015 Business Engagement Architecture e sentimos orgulho quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a lançou em setembro de 2013.

O plano é desenvolver guias para o setor privado que irão ajudar as empresas a melhorar na sua gestão de sustentabilidade e na elaboração de relatórios levando em consideração os objetivos e metas do desenvolvimento sustentável global. Os parceiros da Aliança irão trabalhar juntos para adicionar um capítulo ao padrão global da GRI a fim de fazer a conexão com os ODS que se aproximam. Isto poderia proporcionar um elemento importante; uma peça fundamental do quebra-cabeça na elaboração do Quadro de Monitoramento e Prestação de Contas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015. Isso significaria que a roda não teria que ser reinventada, e que milhares de empresas trariam o seu comprometimento e experiência para o campo de implementação pós-2015.

Então, qual é o mecanismo atual de prestação de contas global, usado hoje como uma prática padrão por milhares de empresas em todos os continentes? O tema da prestação de contas do setor privado tem aparecido com destaque na agenda há mais de duas décadas. Os fatores impulsionadores deste fato tem sido a falta de confiança do público e uma licença operacional mais restritiva para as empresas. Oportunidades para o estabelecimento de uma economia verde e de novos mercados também surgiram. Não há prestação de contas sem transparência – assim relatórios de sustentabilidade tornaram-se uma ferramenta de prestação de contas chave para muitas empresas e seus stakeholders.

Foi desta forma que a Global Reporting Initiative (GRI) nasceu. Ela começou como um movimento de múltiplas partes interessadas puxado por empresas, sociedade civil, sindicatos, do Banco Mundial e diversas fundações. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) acolheu a GRI como um centro de colaboração e facilitou sua criação como uma organização internacional independente, com sede na Holanda (e agora com escritórios satélite em todos os continentes). A GRI estabeleceu parcerias importantes por meio de Memorandos de Entendimento com organizações intergovernamentais como o Pacto Global das Nações Unidas (UNGC, na sigla em inglês), a OCDE e UNCTAD , em que a GRI contribui ativamente para o Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Normas Internacionais de Contabilidade e Relatórios (ISAR, na sigla em inglês) . Ao longo dos anos, os investidores e as bolsas de valores estão cada vez mais engajados na prestação de contas e nos relatórios de sustentabilidade dos negócios ou disclosure , como eles dizem. Uma importante iniciativa lançada no Rio em 2012 é a Iniciativa das Bolsas de Valores Sustentáveis ​​, organizada pela PNUMA/FI, Pacto Global e UNCTAD .

Governos se referiram pela primeira vez a relatórios ambientais na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992. Na Agenda 21 da Conferência, eles concordaram que os negócios e a indústria deveriam ser “encorajados a adotar e reportar suas métricas ambientais, bem como sua utilização de energia e de recursos naturais”. Com base nisto, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável também salientou a importância do reporte, observando a necessidade de reforçar a responsabilidade ambiental e social corporativa e a prestação de contas, inclusive por meio de ações como ‘relatórios públicos sobre as questões ambientais e sociais’.

Em 2002, na Cúpula Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, a GRI lançou a primeira versão de suas Diretrizes. Estas foram criadas como um padrão “de facto” através de um processo formal multi-stakeholder, com todos os grupos de partes interessadas e regiões geográficas representadas. A GRI foi referenciada no Plano de Implementação da Cúpula Mundial. O 18º parágrafo do Relatório diz o seguinte:

Melhorar a responsabilidade ambiental e social corporativa e a prestação de contas. Isso incluiria ações em todos os níveis para: (a) Estimular a indústria a melhorar o desempenho social e ambiental através de iniciativas voluntárias, incluindo sistemas de gestão ambiental, códigos de conduta, certificação e relatórios públicos sobre as questões ambientais e sociais, tendo em conta iniciativas como as normas da Organização Internacional para Padronização (ISO, na sigla em inglês) e diretrizes sobre relatórios de sustentabilidade da Global Reporting Initiative, levando em consideração o princípio 11 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; (b) Incentivar o diálogo entre as empresas e as comunidades em que operam e outras partes interessadas; (c) Incentivar as instituições financeiras a incorporar considerações sobre o desenvolvimento sustentável em seus processos de tomada de decisão; (d) Desenvolver parcerias e programas baseados no local de trabalho, incluindo programas de formação e educação.

As Diretrizes da GRI consistem em princípios de prestação de contas e padrões de disclosure ou indicadores nas esferas ambiental, social e econômica e de governança. Exemplos de temas do padrão de disclosure são emprego, igualdade de gênero, direitos humanos, mudanças climáticas, biodiversidade, poluição, uso da água, corrupção, assim como pagamentos a governos e comunidades locais. Todos esses temas têm como base convenções-chave das Nações Unidas relacionadas ao desenvolvimento sustentável (por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as três Convenções do Riomuitas convenções da OIT, e CEDAW). Além disso, as diretrizes da GRI fornecem uma linguagem de reporte para três dos quadros normativos internacionais mais importantes: os dez princípios do Pacto Global, os Princípios Orientadores da OCDE para as empresas multinacionais e os princípios orientadores das Nações Unidas para as Empresas e os Direitos Humanos.

Em maio de 2013, a GRI lançou a quarta geração da estrutura mais utilizada e abrangente de relatórios de sustentabilidade do mundo, suas Diretrizes para Relatórios de Sustentabilidade – G4. O lançamento marcou o ápice de uma consulta extensiva de dois anos às partes interessadas e de um diálogo com um público diversificado de centenas de especialistas ao redor do mundo. O G4 coloca o conceito de materialidade no coração de relatórios de sustentabilidade. Isso significa incentivar as organizações a informar apenas sobre questões que são relevantes para a sua organização, com base em um diálogo com seus stakeholders. Esta abordagem, por sua vez, irá resultar em relatórios de sustentabilidade mais estratégicos, mais focados, com maior credibilidade e mais fáceis para os interessados navegarem. Tais relatórios irão centrar-se em questões críticas para alcançar os principais objetivos da organização e na gestão de seus impactos econômicos, ambientais e sociais. Uma organização pode monitorar muitos indicadores de sustentabilidade, mas deverá reportar apenas aqueles mais relevantes.

O resultado é impressionante. Atualmente, 5.800 empresas do mundo todo medem seu desempenho em sustentabilidade, e podem ser responsabilizadas por meio de seus relatórios públicos. A maioria delas (3.600) são oficialmente registradas como empresas que reportam utilizando a metodologia GRI. No entanto, 5.800 empresas representam apenas uma pequena parte das cerca de 80 mil grandes empresas existentes. O único grande fator capaz de acelerar a prestação de contas das empresas é a política de governo. Os governos utilizam diferentes políticas para ampliar a adoção de relatórios de sustentabilidade, que vão desde incentivos como prêmios pela transparência (por exemplo, na Holanda), linhas de crédito e de investimento, e diretrizes voluntárias, até regulamentações e reporte obrigatório. Como o “Carrots and Sticks“, estudo feito pelo PNUMA, pela GRI e pela Universidade de Stellenbosch, demonstrou, tem havido um aumento acentuado nas políticas de incentivo aos relatórios. Os dados mais recentes – coletados em 45 países – indicam que existem 180 regulamentações, das quais mais de 70% são obrigatórias.Pesquisa realizada pela Harvard Business School revelou que a obrigatoriedade de relatórios de sustentabilidade corporativos aumenta a responsabilidade social das empresas.

Apenas no mês passado, houve três exemplos importantes de políticas e regulamentações governamentais nesta área:

diretiva da UE para a divulgação de informações não-financeiras e sobre diversidade por certos grandes empreendimentos e grupos foi aprovada no mês passado pelo Parlamento Europeu e introduz medidas que fortalecerão a transparência e a prestação de contas de cerca de 6.000 empresas da União Europeia. Empresas de interesse público com mais de 500 funcionários em breve terão que reportar informações sobre meio ambiente, combate à corrupção social, corrupção e questões relacionadas aos direitos humanos tendo como base o princípio “relate ou explique”. A declaração deverá incluir uma descrição das políticas, as consequências e os riscos relacionados a estes assuntos. Contudo, não haverá nenhuma exigência restritiva quanto à estrutura do relato – empresas deverão lançar mão de estruturas reconhecidas internacionalmente (como é o caso da GRI). A regulamentação da UE é inspirada na legislação nacional dinamarquesa para relatórios. Ogoverno dinamarquês realizou uma pesquisa anual da eficácia e do impacto desta legislação, conduzida pela Escola de Negócios de Copenhagen, em colaboração com a autoridade de negócios dinamarquesa. Os resultados são bastante animadores. Mais informações estão disponíveis no desempenho dos negócios em sustentabilidade e direitos humanos; e a motivação por parte das empresas é alta.

A Comissão Estatal de Supervisão e Administração de Ativos do Conselho de Estado da China está atualmente trabalhando em um documento atualizado chamado “Sugestões sobre o Cumprimento das Responsabilidades Sociais de Empresas Estatais”. A sua primeira iteração foi feita em 2008 quando eles convidaram uma equipe de especialistas para rever a primeira versão e fornecerfeedback. O chefe do Ponto Focal GRI da China foi incluído no processo de consulta.

A Índia produziu uma legislação sobre os gastos das empresas em Responsabilidade Social Corporativa (CSR, na sigla em inglês), lançada em 1º de abril deste ano. A “The Companies Act 2013” determina que as empresas – incluindo empresas estrangeiras – com um patrimônio líquido mínimo de $500 milhões e lucro líquido de pelo menos $5 milhões gastem 2% de seu lucro em CSR. Estima-se que 8.000 empresas são contempladas. Todas essas regras terão um efeito multiplicador sobre a prestação de contas das empresas.

O Grupo de Amigos do Parágrafo 47 é uma iniciativa liderada por governos que nasceu em junho de 2012, após o reconhecimento da importância dos relatórios de sustentabilidade corporativos no parágrafo 47 do documento final da Conferência de 2012 das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20) – “O Futuro que Queremos”. O grupo, inicialmente formado por países que foram pioneiros na prática de relatórios de sustentabilidade, como Brasil, Dinamarca, França e África do Sul, agora conta com dez representantes de governos. O PNUMA e a GRI apoiam o grupo na forma de uma secretaria e fornecem apoio técnico e orientação em conjunto com os outros atores.

Conforme eu expliquei acima, os parceiros da Aliança irão trabalhar em conjunto para acrescentar um capítulo ao padrão global da GRI para fazer a correlações com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que se aproximam. Esta adaptação da Estrutura de Relatórios de Sustentabilidade fornecerá aos negócios, às partes interessadas E aos governos uma ferramenta capaz de avaliar e criar um diálogo sobre a sua contribuição para os ODS. Os governos poderão utilizar em um nível agregado as informações divulgadas e os relatórios das empresas a fim de analisar o desempenho das empresas em seus países. Mas eles também poderão usá-los para obter informações sobre empresas estrangeiras que investem em seus países. E a sociedade civil e as organizações de consumidores ou de pesquisa poderão utilizar os dados para desenvolver benchmarks dos negócios por setor, por região.

O trabalho de preparação está agora a pleno vapor. Nós cooperamos com a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN, na sigla em inglês), que mapeia e desenvolve indicadores de desempenho, destinados a níveis de governos e nacionais. Os indicadores de desempenho para as empresas exigem uma metodologia específica. Este acréscimo ao padrão global incluiria novos elementos, dependendo dos objetivos que forem acordados. Um exemplo poderia ser uma divulgação mais explícita ou detalhada sobre a contribuição financeira de empresas aos meios de implementação pós-2015. Isto iria ajudar governos, auditores gerais e outras partes interessadas, a acompanhar e rever as contribuições dos negócios em seus próprios países. Existe também a cooperação com a Divisão de Estatística das Nações Unidas: aqui, a ambição é a de facilitar a captura da contribuição do setor privado para o desenvolvimento sustentável nos indicadores macroeconômicos desenvolvidos para medir o progresso dos ODS. Relatórios de sustentabilidade poderiam ajudar com dados divulgados publicamente pelas empresas.

Em suma: o setor privado é uma força enorme em uma agenda de desenvolvimento pós-2015. É extremamente importante que as empresas ao redor do mundo meçam, monitorem e relatem publicamente a sua contribuição para os ODS – tanto em termos de contribuição financeira para os meios de implementação, quanto em impacto do seu negócio principal. Vamos utilizar a estrutura de prestação de contas empresarial de hoje em matéria de relatórios de sustentabilidade, e vamos transformar isso em uma Estrutura de Prestação de Contas de Empresas pós-2015. A GRI, como membro da Business Architecture Alliance, e seus muitos parceiros, está pronta para ajudar a fazer isso acontecer.

 

Tradução de Marina Santa Rosa (CEBDS) do discurso de Teresa Fogelberg, CEO do GRI, durante Assembleia Geral no dia 01/05.

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