Recentemente iniciamos a série “O Setor Empresarial e o Oceano” para discussão sobre temas de sustentabilidade no contexto da ‘Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável’, declarada pela ONU para promover ações em prol da Agenda 2030 e da sustentabilidade do oceano. Neste texto vamos abordar o tema água, que está sempre presente nas discussões empresariais, seja pela segurança hídrica e uso direto nos processos produtivos, pela gestão dos recursos nas bacias hidrográficas, pelo desenvolvimento de negócios e tecnologias sustentáveis que podem aumentar o lucro e reduzir impactos sociais, ou pelo papel do setor empresarial nas questões de saneamento básico. E nesta discussão, onde entra o oceano na visão de negócios do futuro?
Para entender esta conexão, precisamos de uma abordagem sistêmica: os negócios dependem dos recursos hídricos que dependem do clima que é regulado pelo oceano. Portanto, para uma visão de futuro do papel da água nos processos produtivos é necessário considerar o papel fundamental do oceano no ciclo hidrológico e o quanto que impactos na saúde do oceano refletirão no setor empresarial e na saúde humana. A Visão Brasil 2050 do CEBDS considera a atuação de forma responsável e sustentável em relação à água e abrange, também a conscientização de todos os atores (cadeia de fornecedores, clientes, consumidores, governos e comunidade) no âmbito das bacias hidrográficas, bem como a importância da vegetação nativa para os mananciais. Precisamos somar neste cenário que o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos de secas e chuvas nas diferentes bacias hidrográficas aumentam o grau de imprevisibilidade de segurança hídrica. Assim, considerar o uso responsável dos recursos naturais para atingir a universalidade do acesso à água e esgoto tratados demanda incluir o papel central do oceano regulando este processo.
Independente da relação direta com o oceano no processo produtivo, toda empresa pode reorientar seus processos em prol do oceano. Um oceano saudável e previsível que mantenha seus serviços ecossistêmicos, como a regulação do ciclo hidrológico, é um oceano limpo. Existem diferentes oportunidades para ações ‘amigas do oceano’, desde às melhorias operacionais até ao desenvolvimento de novos negócios, métodos e tecnologias que promovam a redução no consumo, reciclagem e reuso de água, gestão de resíduos e o reabastecimento de ecossistemas aquáticos, considerando a sustentabilidade das bacias hidrográficas e dos mares. Assim, as ações de uso consciente da água e gestão de efluentes em rios, lagos e corpos de água contribuem para minimizar os impactos de poluição no oceano. A redução dos resíduos plásticos, como as realizadas pela Braskem reconhecida com o selo OCS Blue; e para a gestão de resíduos pós-consumo, como o investimento da Lwart para a coleta e destinação de resíduos são exemplos de impactos positivos diretos nos rios que, por consequência, minimizam a poluição que chega ao oceano.
A relação entre rios, mares e o setor empresarial vai além dos processos produtivos e está relacionada também ao saneamento básico e aos aspectos sociais e de saúde humana. O saneamento é essencial para a transformação social, econômica e ambiental e é uma responsabilidade compartilhada entre os poderes público e privado, assim como a água. No Brasil, mais de 50% da população não tem saneamento básico, ao mesmo tempo que a maior parte das grandes cidades brasileiras está na zona costeira, o que intensifica o impacto da poluição de esgoto no oceano e o perigo de saúde pública na zona costeira. Ao final da década de 2000, estimou-se que em apenas um ano as empresas despenderam R$ 547 milhões de remuneração referentes a horas não trabalhadas por funcionários devido à infecções gastrointestinais.
Portanto, para o setor empresarial, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável é uma oportunidade de protagonizar como a mudança comportamental e o investimento em desenvolvimento científico e tecnológico para negócios sustentáveis por meio do uso responsável dos recursos naturais, incluindo o oceano, podem beneficiar a saúde ambiental, humana e dos negócios.
Esse texto é resultado da parceria entre o CEBDS, UNESCO e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, ambos os órgãos que estão liderando a implementação da Década da Ciência Oceânica da ONU no Brasil.
Texto de autoria de:
Ronaldo Christofoletti
Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo
Coordenador do Programa Maré de Ciência
Membro do Communication Advisory Group for the UN Ocean Decade – IOC UNESCO