Por Marina Grossi e Édison Carlos
A situação do saneamento básico no Brasil é alarmante, e isso não é novidade. No país ainda temos cerca de 36 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e somente 38% dos esgotos com algum tipo de tratamento. Isso significa poluição descontrolada 24 horas por dia, poluindo rios e mares e voltando à população na forma de doenças.
Sete anos após sancionada a Lei do Saneamento (Lei nº 11.445, de 2007), mais recursos e avanços vieram, mas em dosagem insuficiente para as necessidades do país, notadamente na coleta e no tratamento dos esgotos. Os recursos do PAC, esperança do setor para as grandes demandas por obras, são fundamentais, mas não têm conseguido ser usados em sua totalidade, por conta da forte burocracia para que o dinheiro chegue às obras, pela má qualidade dos projetos, pela demora na obtenção das licenças ambientais nos estados, pela deficiência de muitas empreiteiras, pela falta de agilidade das prefeituras.
A falta dessa infraestrutura mais básica não afeta somente a nossa saúde, face mais visível do problema, mas vai muito além, atingindo diversas outras áreas da sociedade. Prejudicamos o meio ambiente, a educação, a produtividade, o trabalho, o turismo.
Pela proximidade do Dia do Trabalho, cabe aqui ressaltar o impacto aos trabalhadores, empresas e estudantes. Em 2008, segundo dados do IBGE, 15,8 milhões de pessoas indicaram terem se afastado das atividades durante ao menos um dia. Desse total, 969 mil afastamentos foram causados por diarreias, sendo que 304,8 mil trabalhavam e 707,4 frequentavam escola ou creche.
Já dados de 2012, de acordo com o estudo Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro, divulgado em 2014 pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), mostraram que 300 mil trabalhadores perderam 900 mil dias de trabalho. Desse total, 37% na Região Sudeste e 27,1% no Nordeste.
A cada afastamento, perderam-se 16,7 horas de trabalho, o que equivale a uma perda de R$ 151,13 por afastamento. Assim, estima-se que, em 2012, tenham sido gastos R$ 1,112 bilhão em horas pagas mas não trabalhadas efetivamente. Ainda conforme o estudo, a universalização dos serviços de água e esgoto possibilitaria a redução de 23% nos afastamentos do trabalho — algo em torno de 196 mil dias a menos, com ganhos de R$ 258 milhões por ano.
No turismo, estima-se que a universalização criaria quase 500 mil postos de trabalho, entre colocações em hotéis, pousadas, restaurantes, agências, empresas de transportes de passageiros etc. A renda gerada com essas atividades alcançaria R$ 7,2 bilhões por ano em salários e um crescimento de PIB de mais de R$ 12 bilhões para o país.
Além de prejudicar as empresas, que pagam por horas não trabalhadas, os trabalhadores sentem a falta do saneamento básico no bolso. Cidadãos com acesso à coleta e ao tratamento de esgotos ganham salários, em média, 10,1% superiores aos daqueles que moram em locais sem coleta de esgoto. Já a falta de acesso à água tratada impõe uma perda média de 4% na remuneração do trabalho.
Como a renda média do trabalho no Brasil em 2012 foi de aproximadamente R$ 1.432, a universalização do esgoto e da água tratada traria um incremento superior a R$ 88 por mês na média dos trabalhadores, isto é, uma elevação de 6,1%. Essa elevação na massa de salários do país, que hoje está em torno de R$ 1,7 trilhão, possibilitaria um acréscimo nos pagamentos de R$ 105,5 bilhões por ano.
A defasagem do país em saneamento prejudica também a educação. Estudantes sem acesso à coleta de esgoto têm um déficit educacional maior do que aqueles que têm acesso ao saneamento. Crianças muito pequenas atingidas seguidamente por doenças da água poluída podem perder até 18% da capacidade de aprender, segundo estudo da FGV em 2009. Estudo mais recente mostra que a universalização do acesso ao saneamento causa uma redução de 6,8% no atraso médio escolar, possibilitando um incremento da escolaridade média do trabalhador brasileiro nos próximos anos, com efeitos sobre a produtividade e a renda.
Em suma, é mais do que evidente que a falta dessa infraestrutura básica afeta toda a cadeia social de uma população, reduzindo a já baixa produtividade do país, hoje e no futuro próximo. Saneamento básico tem que ser realmente prioridade!
Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e Édison Carlos é presidente do Instituto Trata Brasil
Artigo publicado no Correio Braziliense em 12 de maio de 2014