*Por Marina Grossi
A 23ª Conferência das Partes (COP23) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) colocou na mesa de negociação a urgência da ampliação das ações de mitigação e adaptação à mudança do clima. Essa edição foi presidida por Fiji, um pequeno estado insular cuja existência está ameaçada pelos efeitos das mudanças climáticas. O simbolismo foi proposital e seu impacto grande. Para Fiji, assim como para outras nações na mesma situação, combater a mudança do clima é questão de sobrevivência pura e simples.
O ponto alto dessa COP, hospedada em Bonn uma vez que Fiji não possui infraestrutura para receber eventos desse porte, foi a regulamentação e criação de um livro de regras, que permitirá a efetiva implementação e monitoramento do Acordo de Paris. Logo no início das negociações, recebemos a notícia de que o governo da Síria anunciou sua adesão ao Acordo, apesar da precária situação política daquele país. É um sinal do esforço sírio para voltar a ocupar um lugar de normalidade geopolítica entre as nações do mundo.
Em Fiji-Bonn, ficou evidente que a posição do presidente Donald Trump, contrária aos termos do Acordo, não teve efeito significativo sobre ações empreendidas por outros atores relevantes da sociedade americana. Próximo à Bula Zone, uma das áreas que abrigou a conferência, era possível encontrar o espaço We Are Still In, que representou cerca de 2.500 cidades, estados, tribos, empresas, universidades e grupos religiosos que se uniram na U.S. Climate Alliance. Mesmo sem presença ou patrocínio governamental percebia-se que o Acordo de Paris aponta um caminho irreversível.
Na COP23, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) mostrou como vem contribuindo em discussões centrais para o avanço da implantação do Acordo e, especialmente, da NDC brasileira. Defendemos que a estratégia para alcançarmos as metas da NDC deve ser encarada como uma agenda de desenvolvimento de baixo carbono para o país. Essa agenda ensejará oportunidades econômicas que levarão a resultados positivos na produção, geração de emprego e renda, e na conservação ambiental. Nesse sentido, o Brasil ostenta ativos importantes que podem se tornar vantagens competitivas no mercado global se o país seguir no caminho da transição para a economia de baixo carbono. Nossa publicação Oportunidades e Desafios das Metas da NDC Brasileira para o Setor Empresarial aponta as inúmeras possibilidades desse processo.
No dia 10 de novembro, realizamos um side event no Espaço Brasil que abordou as contribuições de grandes empresas como Braskem, Monsanto, Votorantim e Grupo Boticário, para o desenvolvimento de baixo carbono, inclusive com reflexões sobre os desdobramentos a longo prazo. Na ocasião, aproveitamos para lançar a publicação Green Bonds – Ecosystem, Issuance, Process and Regional Perspectives, em parceria com a GIZ, agência de cooperação alemã, e o SEB, banco escandinavo com atuação pioneira no mercado de títulos verdes. O estudo apresenta problemas e soluções para o desenvolvimento desse tema no Brasil, os principais atores envolvidos, o processo de emissão e os desafios para ampliar sua presença de mercado.
Durante nosso evento, o negociador-chefe da delegação brasileira, o embaixador José Antônio Marcondes, reafirmou a importância da participação do setor empresarial na COP. O comentário foi feito em resposta ao pronunciamento do embaixador de Fiji, Deo Saran, que ao facilitar um diálogo aberto sobre a participação de atores não governamentais na COP, mesmo se posicionando de forma neutra, abriu a possibilidade para que alguns países se manifestassem de forma contrária à participação do setor privado. Acredito que o setor empresarial é agente impulsionador de inovações e transformações sociais e sua participação é central na transição para uma economia de baixo carbono.
Há algum tempo, o CEBDS vem trabalhando para fomentar o mercado de títulos verdes em nosso país. Em parceria com a Climate Bonds Initiative, reorganizamos o Conselho Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável do Mercado, que passou a ser chamado de Conselho Brasileiro de Finanças Verdes. No ano passado, lançamos o Guia para Emissão de Títulos Verdes no Brasil, em parceria com a Federação Brasileira de Bancos, detalhando o processo de emissão e discutindo estratégias de expansão.
Segurança hídrica também foi uma de nossas preocupações. No dia 13, o CEBDS participou do painel promovido pela Agência Nacional de Águas. Discutiu-se a relação profunda que há entre gestão da segurança hídrica e a questão climática. Essa temática estará presente também no 8º Fórum Mundial da Água, que acontecerá no Brasil em 2018. O CEBDS ocupa a posição de chair do Grupo Focal de Sustentabilidade do Fórum.
Nossas empresas associadas presentes na conferência levaram para o cenário internacional exemplos concretos de ações em energia renovável e tecnologias de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na indústria, florestas e agricultura. A Braskem, por exemplo, apresentou dados que apontam a redução de 18% de suas emissões de GEE e anunciou a parceria com a Haldor Topsoe para a produção de químicos de fonte renovável. O Grupo Votorantim tem investido na Legado das Águas – Reserva Votorantim, a maior reserva privada de Mata Atlântica no Brasil. É sinal de que o setor empresarial brasileiro está atento e vem se esforçando para criar, implementar e partilhar soluções de baixo carbono.
Outro destaque dessa COP foi a complexa questão da precificação de carbono. A Carbon Pricing Leadership Coalition, iniciativa do Banco Mundial, organizou o painel Leaders’ Voices on Carbon Pricing to Drive Climate Action, que teve a participação de diversos líderes de governos, empresas e organizações com o intuito de refletir sobre os recentes avanços da precificação no mundo. Estive lá para falar sobre o contexto brasileiro e nossos esforços para fazer essa agenda avançar.
As ambições das diversas NDC reafirmam a importância da evolução dos mecanismos de precificação. Recentemente, a Iniciativa Empresarial em Clima (IEC), da qual somos integrantes, lançou a Carta Aberta: Setor Empresarial Apoia a Precificação de Carbono no Brasil, defendendo o estabelecimento de um mecanismo de precificação adequado às características da economia e ao perfil de emissões de GEE do nosso país. Na COP, a IEC realizou um evento também no dia 13, no qual fui palestrante, para discutir o papel dos mecanismos de precificação no alcance das metas das NDC.
Falando em ambições, de Fiji-Bonn também saiu uma proposta para o Diálogo Talanoa, que discutirá em 2018 a ampliação das metas de financiamento e corte de emissões de gases de efeito estufa. Recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) divulgou o relatório Emissions Gap, que adverte que o período de 2018 a 2020 é a última chance de colocar o mundo no rumo da economia de baixo carbono, capaz de estabilizar o aquecimento global em menos de 2oC.
O Brasil levou uma das maiores delegações da COP, com cerca de 130 pessoas. Nosso país manteve seu posicionamento histórico de liderança e reafirmação de nossos compromissos, saímos da conferência com o rascunho do manual de implementação do acordo e convencidos de que podemos aumentar as ambições de nossa NDC.
*Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).