Propostas de futuro para um país incandescente

Artigo originalmente publicado na Revista Pontes, volume 14  – número 7

 Na noite de 2 de setembro, o Brasil inteiro viu chamas devorarem 200 anos de arquivos históricos. Foram 20 milhões de itens que desapareceram, consumidos pelo incêndio que tomou o Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. A tragédia ganhou horas de cobertura televisiva, destaques na imprensa internacional e páginas de debates por dias a fio, sobre as devidas responsabilidades pelo incêndio.

O fato é que já vinha de longa data o receio de que o Museu estaria à beira de uma catástrofe. A quem o visitasse ao longo das últimas décadas, eram visíveis as rachaduras, os indícios de problemas na estrutura e o elevado risco de um incêndio. Todos passeamos pelas estruturas, evidenciamos os futuros escombros e nada fizemos – à exceção de parcos comentários sobre o descaso em relação à nossa história e a nossos bens públicos. Tudo isso, sem perceber que, ao não denunciar, agir, mobilizar grupos ou mesmo debater a questão mais seriamente, podíamos ser acusados do mesmo descaso.

Fechamos os olhos para ações que consideramos “grandes demais” ou “pesadas demais”. Encaminhamos esses fardos ao poder público, ao qual atribuímos o dever cívico de administrar nossos bens ancestrais, nosso presente e, claro, nosso futuro. Assim, eximimo-nos das responsabilidades de um cidadão de bem e ocupamos o posto do espectador.

Atribuir a responsabilidade da vida pública única e exclusivamente às instituições do Estado, ou deixar de buscar soluções inovadoras junto à iniciativa privada para contribuir com a governança pública, é uma forma de o homem moderno conviver com sua própria ausência de responsabilidades coletivas – o que revela, por meio das imagens da televisão, não apenas um museu em chamas, mas um retrato do Brasil incandescente da atualidade.

Às vésperas das eleições mais polarizadas da recente experiência democrática brasileira, quando as propostas submergem ante a dificuldade de concretizar compromissos entre os agentes que compõem a sociedade, a incandescência do Museu Histórico Nacional é o retrato tristemente ideal para exigir uma pausa para reflexão sobre o nosso papel como indivíduos em uma sociedade plural, responsável pela construção do futuro de gerações.

Falar de museus, artefatos históricos, fósseis e tronos imperiais parece despropositado em um artigo cuja proposta inicial é discorrer sobre o futuro – sobre desenvolvimento sustentável e as prioridades que o novo chefe de Estado deve escolher para construir um Brasil mais sustentável nos próximos anos.

Mas tudo está diretamente interligado, e é dessa conexão direta entre os agentes sociais (governantes, órgãos de controle, empresas, indivíduos) e das formas de ampliar os elos entre esses agentes que o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) tem tratado constantemente ao longo de sua trajetória de 21 anos. Qual é o meu papel enquanto indivíduo para construir um futuro sustentável? De que modo minha empresa pode contribuir para levar o Brasil a um amanhã mais sustentável? Quais são as políticas públicas necessárias para promover o desenvolvimento sustentável? Quantas respostas a essas perguntas podemos usar para refletir, trocar experiências e efetivamente cumprir com nossas responsabilidades em conjunto, conjugando forças para transformar o futuro e garantir a sustentabilidade como um pilar permanente para ditar os rumos do Brasil?

CEBDS sintetizou esses questionamentos em uma única pergunta colocada aos CEOs das principais empresas brasileiras que estão entre suas associadas. Ainda, encorajou que essas lideranças empresariais encontrassem os gargalos que impedem o país de crescer de forma sustentável e apresentassem, juntos, dez propostas a serem desenvolvidas nos próximos quatro anos. Com isso, busca-se colocar o Brasil nos trilhos de um futuro mais sustentável.

Que país os nossos negócios estão construindo? Com base nesse mote, os executivos acionaram suas equipes e debruçaram-se a redigir o documento que vem sendo entregue aos candidatos à Presidência no Brasil. A ideia é que, nos próximos quatro anos, o desdobrar dessas propostas em ações efetivas seja acompanhado com lupa pelo CEBDS e suas empresas associadas junto aos eleitos em todas as esferas do poder público.

A “Agenda CEBDS por um País Sustentável” trata efetivamente dos seguintes pontos: i) eficiência energética a serviço da competitividade; ii) transição para uma economia de baixo carbono; iii) medidas urgentes de expansão do saneamento básico e implementação de uma lei nacional de reúso; iv) mecanismos financeiros de estímulo a uma economia sustentável; v) maior representatividade no mercado de trabalho; vi) valoração de recursos naturais como fator estratégico; vii) maior participação de fontes de energia renovável nas matrizes energética e elétrica; e viii) transporte público com metas de redução de emissões.

Como representantes do setor empresarial, não temos a ambição de abarcar todos os pontos que devem ser transformados em prioridades da próxima Presidência, muito menos trazer soluções imediatas. No entanto, acreditamos que, se a sustentabilidade for vista como um fator favorável aos negócios, as experiências de nossas empresas, resumidas nessas propostas, podem efetivamente ajudar a transformar o Brasil. Há muito que o termo “sustentabilidade” deixou de ser relacionado apenas ao meio ambiente para – no conceito triple bottom line – congregar também a economia e o social.

No que tange às perdas econômicas, por exemplo, já existem projeções que indicam uma dimensão do preço a ser pago se nada for feito. O valor dos ativos financeiros sob risco relacionado a mudanças climáticas em todo o mundo deve chegar a US$ 43 trilhões em 2100. No mercado de seguros, considerado um dos mais avançados na precificação dos impactos financeiros causados pelas mudanças climáticas, o volume de desembolsos anuais de coberturas saltou de US$ 10 bilhões em 1980 para US$ 55 bilhões nos dias atuais. Diante dessa ameaça, o papel do setor empresarial vai além da função de quantificar e contingenciar perdas oriundas da ameaça que se vislumbra no horizonte.

Sem dúvidas, a responsabilidade começa na forma como empresas conduzem seus negócios – desde a contratação de fornecedores e formação de cadeias produtivas até a entrega de seus produtos e serviços, de forma que o desenvolvimento econômico seja planejado com um objetivo de longo prazo. Entre outras coisas, isso significa fazer um uso adequado das florestas para a bioeconomia e produtos de baixo carbono. No setor financeiro, a adoção de práticas mais rigorosas para a concessão de crédito também é um fator decisivo, e alguns avanços vêm sendo observados nas últimas décadas nesse sentido. Porém, para que esse esforço traga resultados globais tangíveis e contínuos, é preciso haver uma mobilização mais ampla, com a união de esforços entre o setor empresarial, as esferas governamentais e toda a sociedade em torno de propostas e soluções.

Ignorar essas evidências é profunda irresponsabilidade. Individual e coletiva. Pública e privada. É como fechar os olhos para as rachaduras e fios expostos do Museu, agora queimado. A transição para um futuro mais sustentável exige olhos bem abertos, senso de coletividade e ação imediata.

* Ana Carolina Avzaradel Szklo é diretora de Desenvolvimento Institucional e está no CEBDS desde 2014, no qual é ponto focal para o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, sigla em inglês) e responsável pelas Câmaras Temáticas e projetos e iniciativas institucionais.

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